ABIKÚ - a palavra já diz tudo:
A= Nós; Bi= Nascer; Ku= Morrer
[Nós nascemos para morrer]
No Orun, um mundo paralelo que nos rodeia, onde vivem Deuses e Antepassados, palavra facilmente traduzível por Céu, mora um grupo de crianças chamado Egbe Orun Abiku: as crianças que nascem para morrer em curto espaço de tempo, gerando grande sofrimento para as suas famílias. As meninas são chefiadas por Oloiko [chefe de grupo] e os meninos, por Ìyájanjasa [a mãe que bate e corre].
A permanência dos Abiku ou Emere é condicionada a um pacto que fazem na vinda do Orun para o Aiye [a Terra] com Onibode Orun, o porteiro do Céu.
Este pacto é cumprido rigorosamente pelos Abiku, e uma criança cujo o acordo for não nascer, realmente não nascerá; outra que combine voltar quando romper seu primeiro dente, terá morte súbita, por acidente ou por doença, horas ou dias após o aparecimento deste dente.
Quando uma criança Abiku nasce, seu par, aquele seu companheiro mais chegado no Orun, começará a interferir em sua vida, atormentando-a, aparecendo-lhe em sonhos, a fim de que não se esqueça de seus amigos do Orun e rapidamente volte para eles, assim que houver cumprido o seu pacto.
Várias histórias de Abiku nos são relatadas nos Itan Ifá, pelos odú Odi, Obara, Ejiogbe, Irete-Irosun, Otura-Rete, Iwori-Wosa entre outros (Tradição oral).
IWORI-WOSA
O dia que uma criança dá o aviso que vai se suicidar
Não se pode permitir que sua intenção se concretize
Ifá foi consultado para Matanmi (não me engane)
Que estava vindo do Céu para a Terra
Ele foi avisado que deveria fazer sacrifício
O que devemos sacrificar para não sermos enganados pela Morte?
Carneiro
O que devemos sacrificar para não sermos enganados pela Doença?
Carneiro
EJIOGBE
O olho da agulha não goteja pus
No banheiro não se põe uma canoa a navegar
Ifá foi consultado para Òrúnmìlà
Quando ele fazia um pacto com Emere (Àbíkú)
Um pacto fora feito com Emere (Àbíkú)
Ele não iria morrer logo na flor da idade
O caso do Emere (Àbíkú) agora fica seguro com Ifá
A primeira vez que os Àbíkú vieram para a Terra foi em Awaiye, rei de Awaiye, num grupo de duzentos e oitenta, trazidos por Alawaiye, rei de Awaiye e chefe deles no Òrun. Na vinda para a Terra, todos pararam no portal do Céu e vários pactos foram feitos. Eles voltariam ao Òrun quando:
- Vissem pela primeira vez o rosto de sua mãe;
- Casassem;
- Completassem 7 dias de vida;
- Tivessem novo irmão;
- Construíssem uma casa;
- Começassem a andar.
E nenhum queria aceitar o amor de seus pais, e os presentes e mimos seriam insuficientes para retê-los na Terra, e talvez alguns absolutamente não nascessem.
Esta primeira leva de crianças Àbíkú combinaram entre si também roupas, rituais, chapéus e turbantes, tingidos de òsun que teriam valor simbólico de 1.400 búzios e que, se seus pais adivinhassem estas roupas e dessem-nas como oferendas, poderiam segurá-las na Terra.
As roupas seriam colocadas penduradas nas árvores do Bosque Sagrado dos Àbíkú, em Awaiye, e seus pais fariam anualmente uma festa, com tambores e cantigas, para alegrar os Àbíkú, que seriam untados com òsun, e não voltariam mais ao Òrun, rompendo assim o pacto feito, e seu vínculo com o Egbe Òrun Àbíkú.
Outras histórias são contadas por Òrúnmìlà sobre crianças que, depois de várias idas e vindas entre o Céu e a Terra, puderam ser conservadas vivas, devido a seus pais terem consultado Ifá e feito os Ebós determinados por Òrúnmìlà, trocando ou acrescentando um nome que os desanimasse de morrer novamente, usando folhas sagradas em fricções nos seus corpinhos, para afastar os outros companheiros Àbíkú, colocando em seus tornozelos Sawooro , fazendo em seus corpos pequenas incisões, e através delas inserindo pó preto e mágico de uma mistura de folhas, e com este mesmo pó enchendo um amuleto de couro em forma de pequeno saco, chamado Óndè que seria preso à cintura da criança.
Alguns Àbíkú também deveriam colocar em seus tornozelos pesadas argolas e correntes que não os deixariam fugir para o Òrun. As oferendas eram feitas como recomendavam os Itan Ifá - troncos de bananeira, cabras, galos, pombos, roupas e chapéus tingidos com òsun, alimentos, guizos, búzios, doces, bebidas, a serem entregues no Bosque Sagrado, ou enterrados à margem de um rio, ou soltas nas águas.
Estes Ebós possibilitariam aos pais reter seus filhos na Terra, e eles não morreriam mais.
Porém, se apesar das oferendas, os chefes das Comunidades Àbíkú, Oloiko e Iyajanjasa insistissem em vir à Terra em busca de suas crianças, e conseguissem levá-las de volta ao Òrun, os pais deveriam marcar seus corpos com cortes, ou mesmo mutilá-los ou queimá-los, para que seus pares no Òrun não os reconhecessem ou aceitassem de volta. Também pelas marcas seriam reconhecidas quando voltassem à Terra e não quereriam mais nascer.
Nas terras de ancestralidade Yorùbá, uma mãe que perde vários filhos antes ou depois do nascimento, por morte brusca, súbita ou inexplicável, procura um Bàbáláwo e descobre estar dando à luz a uma criança Àbíkú, que pode nascer e morrer inúmeras vezes impedindo-a também de ter filhos normais.
O Bàbáláwo indica a necessidade de Ebó, o uso de folhas, procedimentos estes usados para afastar o Àbíkú, se os filhos da mulher estiverem mortos, e para que ela possa gerar crianças perfeitas. Ou para reter a criança na Terra e romper seu vínculo com o Òrun, mantendo-a viva.
Até que a criança complete nove anos, sempre próximo à data do seu aniversário, determinadas oferendas serão feitas e depois repetidas até o Àbíkú completar dezenove anos.
A criança deverá usar roupas especiais, com enfeites e cores específicas, seu nome deve ser mudado ou a ele acrescentado outro, que desestimule sua volta ao Òrun.
Guizos em quantidade devem ser presos a seus brinquedos, roupas, tornozelos, pulso, pois o som dos guizos faz bem ao Àbíkú e afasta os amigos do Céu.
A fava Éerù, no Brasil chamada Bejerekun, deve ser usada em banhos e chás, pacificando a criança, Efun também pode ser utilizado para acalmá-la.
As folhas são usadas em fricções ou banhos, e com elas é feita a mistura mágica com a qual se protege a criança e se prepara o amuleto, que o Àbíkú carregará por toda a sua vida.
O corpo da mãe também deve ser defendido e esfregado com folhas, para que ela não atraia uma nova criança Àbíkú.
Se a mãe tiver também problemas com Egbe, chamada Eleeriko, uma deusa considerada o feminino de Egungun, que atormenta as crianças, marcando-lhes o corpo durante a noite, ela será avisada de que deve zelar por Egbe, entregando-lhe cabaças com oferendas no rio, e louvando-a a cada quinto dia. Também um altar com símbolos religiosos poderá ser instalado na casa, e anualmente serão feitas festas com sacrifícios de animais, tambores e dança.
Nem toda criança Àbíkú é atormentada por Egbe que também pode dar filhos às mães que a louvam.
Há alguns Orìkí de Egbe que demonstram bem esta ligação. Este que damos a seguir é de Ibadan, e é uma súplica para que Egbe envie crianças sadias que não sejam Àbíkú ou Emere.
Mãe, proteja-me, eu irei ao rio
Não permita Emere seguir-me em casa
Mãe proteja-me, eu irei ao rio
Não permita que uma criança amaldiçoada siga-me em casa
Mãe proteja-me, eu irei ao rio
Não permita que uma criança estúpida siga-me em casa
Olugbon morrei e deixou filhos atrás dele
Arega morreu e deixou filhos atrás dele
Olukoyi morreu e deixou filhos atrás dele
Eu não poderei morrer sem deixar filhos atrás de mim
Eu não poderei morrer de mãos vazias, sem descendentes.
Postado de: claudio-zeiger.blogspot.com.br