Foi em 09 de janeiro de 1989, na Ilha de Itaparica, praia das Amoreiras, no Ilé Agboulá, a convite do Alabá Dominguinho, sobrinho de sucessor do seu Antônio (nesta data já falecido) que me disse que se tivesse chegado uns dias antes teria assistido uma festa de mosà (moxã) uma etapa antes de ojé-iniciado, de um senhor de Pernambuco. À tarde visitei a cidade de Itaparica onde tem muitas casas de veraneio e tinha muita gente, era tudo muito bonito, pois tinha a festa de caboclo que tem todo ano.
Amoreira - saímos às 21:00h da casa do Alabá, leve comigo uma agenda e uma caneta, para registrar tudo que pudesse, subimos o morro com seu filho Adilson, 19, 2 filhas mais 2 rapazes, andamos aproximadamente 1.500 metros na mais total escuridão, me perguntaram se eu queria fazer um "ose" - 3 acassas (300,00) mais uma vela pequena e 1.000,00 para ser arriado no axé para fazer algum pedido, concordei e foi arriado por uma das suas filhas (tem 23 com 4 esposas) , cheguei em uma casa já dentro Ilé (terreno cercado com várias construções e casas , inclusive o barracão central local das festividades e rituais), onde fiquei esperando, algum tempo depois um ojé de nome kaô, levou o "osé" para ser entregue a um Babá de Xangô (Babá Egun, espírito de luz que fala e se movimenta, espírito ancestre), estava muito quente dentro da casa, saí no pátio, próximo a entrada, cheguei perto de um portãozinho, quando saiu do barracão (o local das cerimônias religiosas) um "Aparaka" (espírito sem luz, não fala, estágio anterior a um Babá), me mandaram entrar rápido e fecharam a porta, todos bem "assustados". Ali ficamos, comentaram comigo - Hoje é dia de ITÁ, "eles saem mais cedo".
Fomos ao salão, dentro deste tem uma repartição onde fica a assistência, as mulheres vão para o lado esquerdo e os homens para o direito, no salão
propriamente dito, a frente da assistência, encostado na parede do fundo focam várias cadeiras, bonitas, entalhadas, de porte alto, lugar destinado aso Babá Egun da casa. Nos acomodamos como dava, eu fiquei próximo aos atabaques, bem na frente, queria ver tudo de perto, a curiosidade e ansiedade era muito grande, a expectativa não demorou muito; apareceu um Aparaká na porta da entrada, todos correram no sentido do salão (sem poder adentrar ao mesmo pois é "lugar sagrado" não se adentra sem ser chamado ou convidado), vieram dois ojés com seus isan (ixãns) batendo no chão à frente do Aparaká e o afastam, ele deu a volta (pelo lado externo do barracão) e retornou ao salão por uma porta interna, foi saudado por todos com palmas e os ojés pediram licença para "despachar" exu.
Iniciam com um toque de Alujá, são dois atabaques grandes que são tocados com as mãos e um pequeno no centro este já tocado com aguidavi e mais um Gã (uma picareta) tocado por um quarto elemento. No barracão, já separado às mulheres à esquerda e os homens à direita - as mulheres tem cargo - a molecada (uns 8) faz muita bagunça durante o toque não respeitam muito, ficam mexendo uns com os outros e com as meninas do outro lado; alguns homens (4) parecem que não estão nem aí, nesta casa não entra adé (homossexual). Fico observando, são 12 ojés, quatro deles com sapatilhas; foi feito um pequeno ebó numa menina, o carrego foi levado por vários ojés pela porta lateral do salão, batendo seus "ixãns".
Um ojé mais velho fica no centro cantando e os demais juntamente com o povo em geral respondendo, são cantigas em Yoruba, algumas delas tem frases conhecidas, outras totalmente novas para mim. A sua frente uma bandeja bem grande sob um cavalete, com várias oferendas em cima, após algumas cantigas 2 deles pegam esta bandeja e andam em círculo, os demais seguem em fila indiana, entram pela porta lateral todo o cortejo e somem.
Me pediram para passar um dinheiro pelos olhos para poder ver egun e não ter problema (mas só pediram para mim) e entregar a um deles, logo a seguir entrou um Babá egun murmurando frases em algum dialeto africano, provavelmente em Yoruba, a cada um que entrava, eu perguntava a um dos rapazes que estava ao meu lado o nome do Babá e ia anotando, sempre de forma discreta, este chamava-se KELEBÈ, algumas cantigas eram respondidas; sentou-se em sua cadeira, bem ao centro, cantou e responderam, levantou, saiu e logo voltou, 4 mulheres ficaram ajoelhadas em sua frente, já no salão, e a medida que ele falava, elas faziam gestos tipo "se limpando", cantou e dançou muito bem, de uma forma diferente, tinha na mão direita uma espada, com esta faz alguns atos ritmados, sempre o povo cantando e batendo palma, é tudo muito bonito e realmente sente-se uma forte energia e vibração no ar, a participação de todos de uma forma geral, é de muita fé, realmente se entregam e se empregam no estão fazendo; ele pára e conversa com o povo, é uma voz gutural, parece que vem de dentro da garganta, de uma forma rápida até parece apressadas e sobrepostas, fica até difícil sua descrição, mas encanta e prende a atenção, é realmente algo místico; ele dança com passos curtos e rápidos, tipo um Alujá; os ojés ficam agachados a sua frente impedindo que o babá egun avance sobre o povo, o que ele tenta diversas vezes, dança mais um pouco e se recolhe. Aparece um Aparaká e é aplaudido, na sala agora só tem 4 ojés, por um momento tudo fica parado, passam 30' entra um novo Babá pela roupa, de Xangô, mesmo estilo de dança, na mão direita uma espada tipo alfanje, outro tipo de voz, bem fina , mas gutural,para dentro; entra outro Babá, saúda as cadeiras e sentou-se, ficam os dois na sala, um deles chamas 2 crianças dá algumas ordens tipo: pular (eles pulam), gargalhar (obedecem, é estranha as crianças forçarem, mas obedecem prontamente) cantar, eles cantam; Os Babás se cumprimentam; pede que as crianças se ajoelhem e cantem para ele, assim fazem; ele entra pela assistência dançando, passa bem perto de mim, vem um ojé para me protegercom um ixãn, as crianças cantam e o povo responde é muito bonito as cantigas e a dança, ele vem novamente para cima de nós, nova correria. Um 3ºBabá (mesma voz do 1º) fala várias coisas e o ovo responde - axé - este é um egun de Xangô OMONINLÊ, entra um Aparaká, OMONINLÊ conversa muito com uma mulher, devido a muita falação Babá avançou para o nosso lado, foi uesparramo, me espremeram numa porta que dava para um quartinho ao lado dos atabaques, que cabia uns 20, entrou mais ou menos uns 50 num tempo recorde de 3 segundos, quem não conseguiu se amontoou num canto do barracão se espremendo e se empilhando uns 10, outros se bandearam (se jogando por cima da divisão) para o lado das mulheres, ele se aclamou, voltou para o centro e dançou.
Notei que os ojés mais velhos sumiram aos poucos mas em pouco tempo,erameia noite e cincoenta; a porta da frente fechada, tem um guardião, nenhum leigo sai (no caso era só eu); os de sapatilhas reapareceram por volta da 1:00h da manhã, vem um 4º Babá de Xangô, um 5º e + 1 Aparaká, o 6º e entra mais um, o 7º Babá, este é bem pequeno, com 1 metro e vinte, uma roupa comprida, tipo véu de noiva que se arrasta atrás dele, ele é muito engraçado, fala com voz de criança e dança tipo de arrastando; eu já estava quase dormindo, perguntei aquele amigo que me explicava as coisas, se tinha alguma coisa para beber, disse que podia buscar lá embaixo na vila uma cervejas, mandei trazer 4, entra um 8º Babá, de Obaluayiê, um 9º um Babá "maior" que senta na cadeira do meio, uma moça se aproxima e joga perfume nele, ele gosta e fica na sala por mais de 1 hora, alterando entre sentar, cantar e dançar, entra o 10º Babá, do Omolu, é muito reverenciado e senta no centro, chama-se BABÁ MIM, nesse instante vem um ojé e percebe que eu estava escrevendo (até então ninguém notara, pois fazia de uma forma bem discreta), me toma a caneta e diz que é proibido escrever, me dá uma "baixa", faço uma cara de idiota como que não sabe de nada e que não é comigo a coisa, guardo minha agenda, passa uma duas horas, quando já dava por perdido meu dinheiro (aquele da cerveja), aparece o rapaz com as 4 cervejas, ofereço a todos e consolido mais a amizade e com mais alguns rapazes, assisto o resto da "sessão" , já é madrugada, eles se despedem aos poucos, desejando felicidade a todos e axé, da minha parte agradeço, fazendo os gestos que vi as pessoas fazendo, um gesto com as mãos como se puxasse para mim uma energia presente no ar. Todos Babás egun vão embora pela porta lateral, o porteiro abra a porta da entrada, liberando a saída, descemos a ladeira, pois fica no alto de um pequeno morro, tendo a sua entrada uma grande árvore de Akoko, e vamos embora.
Babalorixá "Mavam Dilè"Fernando Oli. Perna
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