AXÉ !!!

"Energia mágica, universal sagrada do orixá. Energia muito forte, mas que por si só é neutra. Manipulada e dirigida pelo homem através dos orixás e seus elementos símbolos... o conteúdo mais importante do "TERREIRO DO CANDOMBLÉ" é o AXÉ. É a força que assegura a existência dinâmica, que permite o acontecer e o de vir. Sem axé a existência estaria paralisada, desprovida de toda a possibilidade de realização. É o princípio que torna possível o processo vital."



sexta-feira, 24 de julho de 2009

Feira de São Joaquim

São joaquim, feira de todos os santos
De tantas Marias com seus balaios
De tantos Josés com seus temperos verdes, azuis e violetas
De tantos pais e filhos de santos com seus incensos, folhas e fés
São Joaquim, feira de todos os santos
Retrato vivo da história dos escambos
De onde de cara recanto emanam produtos e profusões
Não é feira, é procissão
E seus fiéis, devotos fregueses, buscam em ti, além das belas e frescas frutas, os ramalhetes que oferecem a sua imagem viva.
Seus fiéis, devotos fregueses, buscam em ti a herança recôndita de um tempo em que comprar era o olho no olho da tradição.
Feira de hábitos dos nossos antepassados
Feira livre da invasã dos outdoors
Feira livre das barras de indicação
Feira de São Joaquim da Bahia, eternamente livre de qualquer transplantação.
Laboratório alquímico dos que ali compram, vendem, pexinxam, passam os olhos e apenas vêem.
Feira dos inesquecíveis pregões
Feira dos violeiros
Feira dos repentistas
Feira de todos os artistas
Feira dos nativos de todo canto do mundo que sabe cantar
Feira das madames mais econômicas
Feira dos cachaceiros e suas sonecas sagradas.
Feira universal
Sua beleza provém da permisssão que dá aos homens do exercício da troca
E que seria do homem sem dar e receber?
Feira da livre subistência existencial.
"- Olha a banana da Terra!"

Alyne Costa

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Quizilas e Preceitos

No que diz respeito à relação entre tabus alimentares dos orixás e proibições impostas a seus filhos a partir dos mitos africanos, é compreensível que, devido à proibição de "comer do mesmo material de que a cabeça é feita", não se deva usar alimento algum que constitui oferenda votiva do orixá dono da cabeça.

O que mais chama a atenção é a universal proibição do sangue. "O sangue", escreve Lépine (1982, p. 33), "é um poderoso veículo do axé, que deverá restituir aos orixás a força que despendem neste mundo e à qual devemos a existência". Na matança, sangra-se o animal até a última gota. É através do sangue que, na cerimônia de assentamento, se estabelece a ligação entre a cabeça do iniciado, partes do seu corpo, e a pedra na qual o orixá se faz presente. do mesmo modo que a água, fonte e origem da vida, é repetidamente vertida em todas as cerimônias propiciatórias e iniciáticas, por representar a fluida substancia de toda criação, o derramamento do sangue dos animais de dois ou quatro pés expressa a própria essência do sacrifício, pois junto com o sangue corre a vida. A água é origem, o sangue, circulação. As trocas reparadoras de axé incluem forçosamente, portanto, a realização do sacrifício. Nessa perspectiva, fica obvia a necessidade de proibir-se a ingestão de sangue ( sob qualquer forma que seja, e nisso podemos incluir os miúdos, a fressura, sangue "compactado"por assim dizer) aos filhos de tudo quanto é orixá. É substancia por demais poderosa para ser ingerida em situações profanas.

Filho de santo jamais pode comer o que o santo dele come? Ou pode? em que circunstâncias?

Entre muitas as respostas de S.M.E. são bastante esclarecedoras: "Tudo o que o orixá come faz bem ao filho, tanto que quando ele oferece a comida tem que comer junto, para que ele não se ofenda. Mas às vezes, fora do ilê orixá, é tabu". Ou seja, o filho deve e não deve comer. Nessa informação, fica claro que a interdição está ligada à situação, ou melhor dizendo, parece que o próprio da proibição é delimitar dois espaços, rigorosamente separados, que o momento do ritual permite juntar, e até mesmo, tornar permeáveis. É pela mediação do ritual, repetido inúmeras vezes no decorrer do tempo, que se abre o espaço sagrado. Na vida cotidiana do filho de santo, é proibido desfrutar as mesmas comidas que alimentam o orixá. Se desobedecer, "faz mal". Na casa do orixá, a ingestão de comidas votivas é não apenas permitida, mas sim obrigatória. É imprescindível participar do banquete sagrado. Se, naquele momento, o filho não comer do mesmo material de que sua cabeça é feita, o orixá oferecer-se-á. Ou, como já ouvi dizer, na hora da oferenda, "a gente precisa comer, que é para ele ver que não tem veneno". esse comentário aparentemente jocoso é bastante elucidativo. Não é somente o ilê orixá, espaço sagrado e portanto preservado, que garante a não nocividade da comida de santo para o iniciado, é também o adepto que, por sua vez, se torna fiador, junto ao orixá, da excelência da comida que lhe é oferecida.

Comer alimentos sagrados como bem sabiam os sacerdotes hebreus, é assegurar a sacralização do próprio corpo. No ilê orixá, o iniciado participa do banquete dos deuses, nutre-se do mesmo material de que é feita a sua cabeça, reforça sua identidade como parente de determinada divindade. Fora do espaço sagrado, é lhe proibido ingerir essas mesmas substâncias. Mas seu corpo também é um espaço, que pelo cumprimento dos preceitos é constantemente mantido em condições de tornar-se receptáculo da divindade. Por isso tem de abster-se de ingerir comidas rejeitadas pelo seu orixá, e até mesmo aproximar-se delas. Quebrar quizila, nessa perspectiva, é praticamente uma autodestruição. Faz mal. A pessoa adoece. Mas, ao mesmo tempo, pode-se aplicar à construção do corpo a mesma visão dialética que se foi afirmado com tanta nitidez em relação à construção do mundo. Aqui também a transgressão destrói e reforça limites, de modo realmente tangível, porque passam pelo corpo, e simbólico também, pois redundam na afirmação de identidade mítica.

Alimentos de origem animal:

Ketu

Ijexá

Jeje

Orixá

Orixá

Vodum

Bichos de dois pés:
Galinha Oxum, Euá
Galinha branca Obá
Galinha, pedaços (carcaça e pescoço) Todos os filhos de "santo homem"
Galinha d'angola Obaluaiê, Nanã Obaluaiê, Nanã Sapatá (Obaluaiê)
Galinha d'angola (cabeça) Todos Todos
Galo Logunedé
Pato Ossaim
Perdiz Gu (Ogum)
Pombo Oxalá, Oxum
Ovos Oxum, Oxumaré Oxum Oxum, Bessém (Oxumaré)
Ovos, farofa de cabeça e pés de qualquer ave Nanã, Exu Exu Legba (Exu)

Bicho de quatro pés:
Bode, cabrito Oxóssi, Ogum Oxóssi, Logunedé Odé (Oxóssi)
Caça em geral Oxóssi, Odé, Ossaim, Ogum, Logunedé Oxóssi, Logunedé Odé (Oxóssi)
Carneiro Xangô, Iansã Xangô Sobô (Xangô)
Porco Obaluaiê Obaluaiê Sapatá (Obaluaiê)
Cabeça e pés de qualquer bicho Exu Exu Exu

Répteis:
Cágado Xangô Xangô Sobô (Xangô)
Lagarto (inclusive o corte de boi com esse nome) Oxóssi
"Tudo o que rasteja" Oxumaré Oxumaré Bessém (Oxumaré)

Bichos de água:
Arraia Todos Todos Todos
Bagre Oxalá Oxalá Lissa (Oxalá)
Camarão vermelho Iemanjá, Oxum
Caranguejo Todos Todos Todos
Cavalinha Oxum Oxum
Lula e assemelhados Todos Todos Todos
Peixe de pele Todos Todos Todos
Peixe vermelho Iemanjá
Rã Nanã Nanã Nanã
Sardinha Oxalá, Obaluaiê Todos

Sangue, miúdos:
Fígado Iansã, Ossaim
Miúdos em geral Iansã, Nanã
Rabada Xangô
Sangue Todos Todos Todos
Tutano Nanã

Outros:
Mel Oxóssi, Logunedé

Alimentos de origem vegetal:
Ketu Ijexá Jeje
Orixá Orixá Vodum
Abóbora Iansã todos Todos
Abacaxi Obaluaiê Obaluaiê Sapatá (Obaluaiê)
Abobrinha Bessém (Oxumaré)
Amendoim Oxumaré
Banana-d'água Oxóssi Legba (Exu)
Banana-figo Iemanjá
Banana-maçã Oxóssi
Banana-prata Oxóssi, Obaluaiê
Batata-doce Oxumaré Bessém (Oxumaré)
Berinjela Nanã
Beterraba Nanã, Iansã Legba (Exu)
Cachaça Exu, Oxalá Exu, Oxalá Lissa (Oxalá)
Cajá-Manga Oxóssi, Ogum Todos Todos
Cana Exu, Ogum
Carambola Oxóssi
Coco Oxóssi, Ossaim Oxóssi
Dendê Oxalá Oxalá Lissa (Oxalá)
Feijão fradinho Oxum, Iansã, Oxumaré Oxum,Iansã Oxum
Feijão "mulata gorda" Oxóssi
Feijão preto Ogum
Folhas em geral (alface, salsa, etc.) Oxóssi, Ossaim Oxóssi,Ossaim Odé (Oxóssi), Agué (Ossaim)
Frutas ácidas ( limão, etc.) Exu Exu Legba (Exu)
Fruta-do-conde Bessém (Oxumaré)
Fumo de rolo Ossaim Ossaim
Grão de bico Bessém (Oxumaré)
Inhame Ogum, Iemanjá Ogum
Manga-espada Ogum Ogum, Logunedé
Melancia Obaluaiê
Milho vermelho Oxóssi, Ossaim Oxóssi Odé (Oxóssi)
Milho derivados (fubá, etc.) Oxóssi Oxóssi Odé (Oxóssi)
Milho, pipoca Obaluaiê, Oxumaré Obaluaiê, Nanã Bessém (Oxumaré)
Mostarda, folha de Obaluaiê
Oiti Oxóssi
Polvilho Oxum
Sapoti Exu
Taioba Obá
Tangerina Oxóssi Todos
Tapioca Oxum
Uva branca Iemanjá
Uva preta Nanã

Esse quadro foi montado a partir de dados recolhidos em 13 terreiros jeje-nagô, mas não pretende dar conta da totalidade das proibições possíveis. Haja vista a relativa autonomia das casas de santo, é bem provável que outra pesquisa de campo, em novos terreiros, possa permitir acrescentar outras tantas quizilas alimentares de filhos de santo. Aqui foram apenas retiradas informações convergentes fornecidas por iniciados das diversas casas, como primeira etapa de ordenação das proibições alimentares. A equivalência dos nomes dos voduns jejes com os orixás nagôs foi estabelecida baseando-se em Araújo (1984, p.40).

(Culto aos Orixás, Voduns e Ancestrais nas Religiões Afro-brasileiras, 2004, p.190/193)