AXÉ !!!

"Energia mágica, universal sagrada do orixá. Energia muito forte, mas que por si só é neutra. Manipulada e dirigida pelo homem através dos orixás e seus elementos símbolos... o conteúdo mais importante do "TERREIRO DO CANDOMBLÉ" é o AXÉ. É a força que assegura a existência dinâmica, que permite o acontecer e o de vir. Sem axé a existência estaria paralisada, desprovida de toda a possibilidade de realização. É o princípio que torna possível o processo vital."



quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Comer bola de fogo !!!

Acarajé, comida ritual da orixá Iansã. Na África, é chamado de àkàrà que significa bola de fogo, enquanto je possui o significado de comer. No Brasil foram reunidas as duas palavras numa só, acara-je, ou seja, “comer bola de fogo”.

O acarajé, o principal atrativo no tabuleiro, é um bolinho característico do candomblé. Sua origem é explicada por um mito sobre a relação de Xangô com suas esposas, Oxum e Iansã. O bolinho se tornou, assim, uma oferenda a esses orixás. Mesmo ao ser vendido num contexto profano, o acarajé ainda é considerado, pelas baianas, como uma comida sagrada. Por isso, a sua receita, embora não seja secreta, não pode ser modificada e deve ser preparada apenas pelos filhos-de-santo.

O acarajé é feito com feijão-fradinho, que deve ser quebrado em um moinho em pedaços grandes e colocado de molho na água para soltar a casca. Após retirar toda a casca, passar novamente no moinho, desta vez deverá ficar uma massa bem fina. A essa massa acrescenta-se cebola ralada e um pouco de sal.

O segredo para o acarajé ficar macio é o tempo que se bate a massa. Quando a massa está no ponto, fica com a aparência de espuma. Para fritar, use uma panela funda com bastante azeite-de-dendê ou azeite doce.

Normalmente usam-se duas colheres para fritar, uma colher para pegar a massa e uma colher de pau para moldar os bolinhos. O azeite deve estar bem quente antes de colocar o primeiro acarajé para fritar.

Esse primeiro acarajé sempre é oferecido a Exu pela primazia que tem no candomblé. Os seguintes são fritos normalmente e ofertados aos orixás para os quais estão sendo feitos.
"A arte culinária na Bahia, de 1916, conta, na primeira descrição etnográfica do acarajé, que "no início, o feijão fradinho era ralado na pedra, de 50 cm de comprimento por 23 de largura, tendo cerca de 10 cm de altura. A face plana, em vez de lisa, era ligeiramente picada por canteiro, de modo a torná-la porosa ou crespa. Um rolo de forma cilíndrica, impelido para frente e para trás, sobre a pedra, na atitude de quem mói, triturava facilmente o milho, o feijão, o arroz".

Manuel Querino

Acarajé



Originado nos cultos de candomblé, onde servia como uma oferenda a Iansã, rainha dos raios e dos ventos, o acarajé tem mais de 300 anos de existência. Ao longo desse período, uma série de mudanças ocorreu: a receita já não leva apenas o tradicional bolinho de feijão; a vestimenta branca, a saia rodada e a bata que caracterizam a vestimenta da baiana foram substituídas por outras roupas; e a preparação do quitute – até então restrita às mulheres – passou também a ser feita por homens.

Além disso, o acarajé deixou de ser encontrado somente no tabuleiro da baiana e, hoje, pode ser comprado em delicatessens e restaurantes. Outra transformação, esta mais recente, é a venda da iguaria por pessoas de outras religiões, além do candomblé. Os evangélicos, por exemplo, chamam a iguaria de “bolinho de Jesus”, e alguns deles se recusam a vestir o traje de baiana. Essas mudanças fazem com que o acarajé perca a identidade?

O assunto é polêmico e divide opiniões, mas, para a antropóloga Gerlaine Martini, do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), sim. O assunto fez parte da sua tese de doutorado defendida em julho de 2007. Intitulado Baianas do Acarajé – A uniformização do típico em uma tradição culinária afro-brasileira, a autora analisou as transformações sofridas por suas formas tradicionais de venda a partir do século XX.

Além da busca pela natureza e a importância da atividade da venda de acarajé em Salvador, o trabalho tem como cerne o surgimento do chamado “acarajé de Jesus”, prática bastante recente da venda de acarajé por baianas convertidas ao protestantismo, principalmente o neopentecostal, que almejava se desvincular totalmente da tradição.

Religião – “Percebemos uma forte mudança na tradição quando adeptas do candomblé se tornam protestantes. Mesmo professando uma nova crença, desejam manter sua fonte de renda. Para isso, decidem retirar todos os signos que liguem o quitute à religião africana, como a roupa branca, o turbante e as contas no pescoço. Desfiguram o ofício ao querer que o acarajé seja visto não como uma oferenda, mas apenas como uma refeição”, explica a antropóloga brasiliense.

Para realizar o trabalho, Gerlaine Martini residiu no terreiro Ilê Odô Ogê – Pilão de Prata, localizado na Boca do Rio, e permaneceu um período no Pelourinho, onde se encontra a sede da Associação das Baianas do Acarajé e Mingau (Abam). “Também procurei visitar diversos bairros, as festas de largo e busquei inclusive os tabuleiros dos considerados evangélicos. Observei o cotidiano de venda nos pontos, desde os de menores recursos até os mais consagrados pela opinião popular”, relata.

Na opinião da antropóloga, além da venda do acarajé por pessoas de diferentes religiões, outra mudança que descaracteriza o quitute é a venda do produto fora dos tabuleiros.
“A existência do tabuleiro e o fato de ser preparado na rua são tradições que devem ser respeitadas. Isso precisa ser preservado, e deixa de ser quando o acarajé passa a ser vendido em restaurantes e delicatessens”, diz.

Para a presidente da Abam, Maria Leda Marques, o crescimento indiscriminado da venda de acarajés em Salvador, seja por estabelecimentos ou por adeptos de outras religiões, é um dos fatores que podem levar a uma possível perda de identidade.

“Há pessoas vendendo o acarajé sem nenhum compromisso com a nossa história, com a cultura, e é preciso preservá-la independentemente da religião. É preciso saber conviver com as diferenças, mas respeitando o lado cultural”, afirma.

Maria Leda critica a postura adotada por algumas vendedoras de acarajé evangélicas que chamam a iguaria de “bolinho de Jesus” e se recusam a se trajar de baiana. “Eu desconheço que, em algum momento na história, Jesus Cristo tenha comido acarajé para que eles chamem de o bolinho de Jesus. O acarajé, até hoje, é uma oferenda a Iansã, pertence e sempre pertenceu aos orixás. Não podemos e nem queremos impedir quem quer que seja de vender acarajé. O que pedimos é que respeitem a história”, exige.

Segundo ela, mesmo ao ser vendido num contexto profano, o acarajé ainda é considerado pelas baianas tradicionais uma comida sagrada. “Apesar de todas essas mudanças, para as baianas legítimas, o bolinho de feijão-fradinho frito no azeite de dendê não pode ser dissociado do candomblé. Daí a importância de se manter a receita e lutar para que essa tradição seja passada de pais para filhos”.